A decadência dos quadrinhos e a ascensão dos mangás – Análise
A ousadia da indústria dos mangás se destaca em relação à dos quadrinhos, uma vez que, quando um herói sucumbia ou uma trama chegava ao seu desfecho, era verdadeiramente o fim.
Os quadrinhos da Marvel e DC Comics estão sempre em um ciclo de reciclagem de personagens, as editoras se recusam a criar coisas novas, dependendo sempre de uma nova edição de Batman, uma nova aventura do Homem-Aranha, universos alternativos, novos selos de revistas, mas nunca finalizando completamente uma o arco de um personagem.
Essa abordagem não é um problema. Pois desse modo nascem histórias icônicas e esses personagens ficam consagrados como lendas na cultura pop. Entretanto, essa abordagem também deixa os personagens num ciclo entediante, quantas vezes o Clark Kent aprendeu a voar e quantas vezes o Peter Parker desenvolveu uma teia artificial? Além do eterno sofrimento que eles passam para “desenvolver o personagem”, superando traumas e problemas pessoais, com eventos cada vez mais dramáticos que os da última aparição do personagem.
O maior problema com essa reciclagem de histórias é a falta/restrição de criatividade para novos projetos. Poucas editoras conseguem investir em novas ideias, e menos ainda conseguem publicar de modo independente.
O mercado de quadrinhos está acostumado apenas com Marvel e DC. Não existe um grande incentivo a novos autores, pois o público não irá comprar essas histórias.
Mas e o mangá?
A indústria japonesa nunca passou por esse problema pois os mangás são trabalhos extremamente pessoais, normalmente feitos por uma ou duas pessoas, claro, há exceções, como CLAMP.
Quando um quadrinho é feito por uma editora grande, ele precisa ser um sucesso, ponto. Caso a história não se encaixe no padrão da indústria, ela será refeita. O autor e o ilustrador trabalham para a editora, é o trabalho deles fazer um produto que condiz com o mercado, eles não podem recusar as sugestões da editora e dizer “Minha história não é assim!” ou “Mas meu traço não segue esse estilo”.
Nesse quesito o mangá japonês tem mais liberdade, muito mais liberdade? Não, mas pelo menos pode escolher seu captor (editora).
O mangaka oferece uma ideia a editora e essa ideia será desenvolvida junto a um editor, que cuidará para que a ideia se alinhe à editora e seja rentável. O mangá é uma propriedade intelectual do autor e da editora, motivo de vermos algumas vezes o autor participar da produção da adaptação do mangá para anime, ele como criador, tem voz no que acontece com sua obra.
O escritor de quadrinhos do Batman e co-criador do Bane, Charles “Chuck” Dixon, falou sobre mangás em seu podcast Ask Chuck Dixon #65, no Youtube, respondendo a pergunta:
Qual sua teoria/pensamentos sobre o porquê dos mangás estarem limpando o chão com os quadrinhos americanos?
“Não é muito difícil descobrir, na verdade. Há muita dedicação, paixão e habilidade nos mangás. E isso está faltando, quase inteiramente, na Marvel e DC.”
Dixon também elogia a arte dos mangás. “Não é difícil de ver. A arte é atraente. É diferente, envolvente, interessante, variado. Portanto, há muitos motivos para gostar de mangá.”
Uma das coisas mais curiosas sobre mangás é a variedade de temas diferentes que as histórias abordam, existindo diversas opções para cada nicho. Existe uma série de mangás sobre reencarnar em outro mundo, e sub-nichos sobre reencarnar em outro mundo e fazer algo muito específico (dispensa exemplos). Nesse quesito, Chuck comenta sobre a falta de variedade nos quadrinhos e como os mangá exploram todo tipo de história, abraçando qualquer tipo de leitor.
“No mangá japonês há histórias sobre golfe. Não há uma história sobre golfe. Existem vários quadrinhos sobre golfe.”
Ele então fala sobre o grande contraste com o mercado americano: “Mas aqui, o que obtemos? Temos super-heróis e super-heróis malfeitos. Realmente não há mais nada nas grandes empresas. […] E são todos avatares da agenda política dos escritores. E eles são meio cansativos. Eles não são particularmente bem desenhados. Eles não são particularmente bem realizados.”
Chuck explica que o mercado americano devia aprender com os mangás: “E não me refiro a desenhar pessoas com olhos enormes e muitas linhas de velocidade. Quero dizer, fazer histórias mais variadas. Faça histórias mais complexas. Coloque mais esforço na arte. Coloque mais esforço no ofício. Mude o formato, pelo amor de Deus. Pare de fazer quadrinhos em fólio e veja o que o mangá faz. Essas listas telefônicas grandes e gordas. Quadrinhos lançados semanalmente. Coisas assim. Basta mudar a fórmula. Veja o que o mangá está fazendo. Por que o mangá faz sucesso? Tente copiar isso.”
A decadência dos quadrinhos tem diversos motivos, sendo a artificialização das histórias, reciclagem de personagens, falta de criatividade e novidade, formato de revistas curtas mensais, etc. Além da superexposição após a popularização de filmes de herói, que deve segurar boa parte da indústria.
O que acontece com os mangás em menor escala com adaptações de anime, mas que ao invés de substituírem o mangá, eles atraem o público. Será que um filme de herói tem o mesmo efeito? Fica a questão.
Por fim, gostaria de contextualizar que adoro quadrinhos, e esse texto não é de nenhum modo uma crítica à mídia, e sim a indústria americana e as grandes editoras.
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